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SOBRE O HORROR I

A meditação na música ou no sono, em sentido profundo, a maneira mais fácil de fazer sentir o horror no despertar, a partir de um estado de contemplação e concentração profundo. Este pode ser desencadeado de modo incomparavelmente mais forte e mais fácil do que todas aquelas outras percepções do rosto. Aqui, por outro lado, mais fortemente pela percepção mais íntima das pessoas do sexo feminino (e, provavelmente, do mesmo modo tanto para os homens como para as mulheres) <.> Assim, portanto, como eidética do caso ideal do horror, o aparecimento da mãe, no sentido mais profundo, seria percebido pela pessoa e, através dele, esta é despertada. A análise seguinte pode esclarecer até que ponto, nesta descrição, as “condições experimentais” ainda são indicadas inexatamente e, portanto, o horror sob tais condições ainda não se apresenta prontamente evidente.

O estado presumido da meditação necessita, particularmente, da determinação pormenorizada. Há estados de meditação, precisamente em sua profundeza, que não obstante tornam as pessoas não distraídas, mas altamente atentas. Mas a pessoa, na presença do espírito, não está sujeita ao horror. O único tipo de presença de espírito que tem estabilidade e que não pode ser minada é o da meditação sagrada, tal como o da oração. Nesta meditação aparece às pessoas não tão facilmente o fantasmagórico – e se ele assim pode aparecer como fantasmas, que é muito questionável, em todo o caso não provocaria qualquer horror. Portanto este tipo de meditação está longe de favorecer o horror, a mais segura proteção contra este.

Mas que tipo de meditação se coloca contra o sagrado, que predispõe ao horror? Aquela em que a pessoa não está completamente absorvida em Deus e, com isso, também não o está em si mesma, mas sim no alheio e, por conseguinte, está apenas incompletamente absorvida. Em torno desta incompletude, ainda que profunda, mas sempre absorção distraída, se expressa um esquema figurado: a alma forma um turbilhão no qual, de todos os membros e áreas do corpo vivo, os momentos espirituais estão envolvidos, e então o corpo vivo se despotencializa sob a ausência de espírito, praticamente desencarnado, portanto, e de fato deixa para trás apenas o corpo material. Com esta ausência do espírito volatiliza-se (que é apenas outra palavra para isto) o corpo vivo, e o corpo material é deixado para trás sem a distância dissoluta e distintiva do corporal e do espiritual, que assim expressa que o corpo material humano, em estado de distração espiritual, não possui qualquer limite. O percebido, sobretudo aquele percebido no rosto que agora refrata em seu interior, também a partir do corpo material estranho, arremete o espírito-corpo vivo no turbilhão e se mantém, ao lado do sentimento, na percepção visual do horror: você está à vista dos outros (“você” porque não há nenhum limite) em contrapartida, o sentimento: esse é o seu duplo no “outro”, mas agora relacionado com um corpo material não-limitado e desencarnado. Isto mostra claramente que o fenômeno originário do duplo não necessita de uma igualdade ou similaridade de objetos duplos para se fazer presente, mas, pelo contrário, que a igualdade é muito mais do que aquilo que se ajusta facilmente ao domínio do duplo. Uma pessoa pode, no momento de seu maior espanto, decidir imitar aquilo que a assustara.

O horror é um fenômeno que pode se ajustar apenas cara a cara, ou seja, apenas para um sujeito e apenas diante de outro (neste último caso não numérico, mas essencialmente um). Esta é mais uma vez a função do duplo, cuja relação com esta esfera do fantasmagórico, do corpo vivo despotencializado que, contudo, ainda é pouco clara.

Um esquema figurado, uma representação da modalidade existencial do corpo vivo, no caso da oração, ainda estaria por ser encontrado.

Muito importante: com a despotencialização do corpo vivo no horror fica suprimida também a antítese da linguagem e, na verdade, não apenas o acústico, mas a linguagem em sentido lato, como expressão, possibilidade a partir da qual, como graça incompreensível, parece com o costume de deambular sonâmbulo sobre uma corda.

SOBRE O HORROR II

A mudez no horror, uma vivência primeva. De repente é abandonado na plenitude de todas as outras forças, no meio das pessoas em plena luz do dia da língua, de cada possibilidade de expressão. E a consciência do eu: que essa mudez, impotência de expressão habitando tão profundamente na pessoa, em contrapartida, impõe nela o patrimônio da linguagem, do mesmo modo que esta impotência dos antepassados seria transmitida neles como atavismo.

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[B 9a, 2]

Focillon sobre a fantasmagoria da moda: “Na maioria das vezes … ela cria … híbridos, impõe ao ser humano o perfil do animal… A moda inventa assim uma humanidade artificial que não é o cenário passivo do meio formal, mas o próprio meio formal. Essa humanidade — às vezes heráldica, outras vezes teatral, ou feérica, ou arquitetural — tem … como regra … a poética do ornamento, e o que ela chama de linha … talvez não seja senão um sutil compromisso entre um certo cânone fisiológico … e a fantasia das figuras.” Henri Focillon, Vie des Formes, Paris, 1934, p. 41.

[D 9, 2]

III eterno retorno

A idéia do eterno retorno faz surgir magicamente a fantasmagoria da felicidade a partir da miséria dos anos da modernização alemã. Esta doutrina é uma tentativa de conciliar as tendências contraditórias do prazer: a da repetição e da eternidade. Este heroísmo é uma contrapartida ao heroísmo de Baudelaire, que faz surgir magicamente a fantasmagoria da modernidade a partir da miséria do Segundo Império.

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[O 6a, 2]

II o flâneur e a massa

“À primeira vista somos levados a crer que existe um grande número de mulheres públicas, por uma espécie da fantasmagoria que produzem as idas e vindas dessas mulheres, sempre nos mesmos pontos, o que parece multiplicá-las ao infinito… Há uma outra circunstância que contribui para essa ilusão: os vários tipos de roupa com as quais se disfarçam as mulheres públicas numa mesma noite. Mesmo com um olho pouco exercitado, é fácil convencer-se de que uma moça que, às oito horas, está com uma roupa elegante, rica, é a mesma que aparece às nove como costureirinha, e que se mostra às dez como camponesa, e vice-versa. É assim em todos os pontos da capital onde afluem habitualmente as prostitutas. A título de exemplo, siga uma dessas moças no boulevard, entre as portas Saint-Martin e Saint-Denis: ela está agora com um chapéu de plumas e um vestido de seda coberto com um xale; ela entra na Rue Saint-Martin, segue pelo lado direito, passa pelas pequenas ruas que chegam à Rue Saint-Denis, entra em uma das inúmeras casas de devassidão que ali se encontram, e, pouco depois, sai vestida de costureirinha ou de camponesa.” F. F. A. Béraud, Les Filles Publiques de Paris, vol. I, Paris-Leipzig, 1839, pp. 51-52. ■ Moda